União conjugal que envolve mais de duas pessoas que se relacionam afetiva e/ou sexualmente ao mesmo tempo. Este é o conceito do poliamor, que nada mais é do que uma relação amorosa simultânea, consensual, receptícia, igualitária e que não tem a monogamia como princípio. Talvez você não conheça nenhum núcleo familiar que tenha oficializado esta forma de conjugalidade, mas é uma realidade.
Este mês repercutiu muito a história de um bebê que foi registrado com o nome dos três pais. A criança é filha de um trisal, união afetiva composta por três pessoas, que recorreu à Justiça do estado onde moram para pedir que a mãe afetiva seja incluída na certidão de nascimento. A decisão ainda não saiu.
A legislação brasileira permite a inclusão de mais de um pai ou uma mãe quando há reconhecimento de responsabilidade socioafetiva. Com isso, a pessoa passa a ter os mesmos deveres dos pais biológicos, como pensão e partilha de herança. Como o Código Civil considera o filho como herdeiro universal, se houver o devido registro na certidão de nascimento, seja pela via cartorária ou judicial, há bem mais proteção. Porém, é preciso recorrer à Justiça e provar os laços entre os adultos e a criança.
“Este registro é uma realidade em decorrência da tese da multiparentalidade, possibilitando o reconhecimento de pais e mães socioafetivos. Nestes casos, haverá o acréscimo àquela paternidade ou maternidade já estabelecida pelas vias biológicas ou da adoção, com os mesmos direitos e deveres provenientes da relação biológica, inclusive quanto à obrigação de pagamento de pensão alimentícia e direito à partilha de herança”, explica a advogada Karine Bessone, especializada em Direito de Família.
Em um núcleo familiar, todos consentem, interagem, relacionam entre si, respeitam-se mutuamente e, geralmente, vivem sob o mesmo teto. Sendo assim, até onde o Estado deve intervir para proibir essas formas de famílias que fogem do lugar tradicional monogâmico? Segundo a Constituição da República, em seu art. 226, não há mais famílias ilegítimas. Todas devem receber proteção do Estado, que se diz laico e democrático. Por isso, não se pode determinar como as pessoas devem constituir sua família.
No princípio da dignidade, vértice do Estado democrático de Direito, deve-se pressupor a mais ampla liberdade nas relações privadas não patrimoniais. A liberdade e a igualdade não podem pressupor uniformização.
“Ao enfrentar os casos de famílias que fogem dos padrões tradicionais e que se formam à margem do casamento, como na união estável a três, o chamado poliamor, o Judiciário não pode continuar aterrado ao modelo único da família constituída pelo casamento. Nestes casos, a liberdade, no que se refere a situações subjetivas existenciais, deve ser maximizada”, avalia dra. Karine Bessone.
No Brasil, o primeiro registro de uma união poliafetiva foi feito em um Cartório de Notas de Tupã, interior do Estado de São Paulo, de um trio formado por duas mulheres e um homem, que lavrou “Escritura Declaratória de União Poliafetiva”, e que já estavam nesta relação há três anos e sob o mesmo teto.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000 datado de 28 de junho de 2018, recomendou que os cartórios não mais lavrassem tais escrituras. Apesar de não haver expressa proibição legal, até o momento a lei não reconhece uniões poliafetivas.
A Justiça brasileira, em sua grande maioria, possui decisões contrárias ao reconhecimento deste tipo de união. Recentemente, inclusive, o STF julgou recurso em que se decidiu pela impossibilidade de reconhecimento de um novo vínculo conjugal quando preexistente casamento ou união estável, preservando o princípio da monogamia e o dever de fidelidade recíproca entre o casal, respaldado pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro.
Na união poliafetiva, todos os envolvidos sabem da existência dos outros afetos. Portanto, se as pessoas querem viver juntas em união estável, o ideal é melhor regulamentá-la. A escritura pública não cria o fato, mas tão somente registra a existência dele. A grande dificuldade de se reconhecer direitos às famílias poliafetivas e simultâneas, é que isto coloca a monogamia em xeque. Todo o nosso sistema jurídico está organizado com base na monogamia. Mas reconhecer tais direitos não afronta a ética. E as regras jurídicas devem ir se adaptando aos costumes.
Pode até ir contra a moral religiosa estabelecida, mas não contra a ética. Diante da ausência de legislação que regulamente e assegure a estas entidades familiares direitos e deveres provenientes desta relação, a advogada Karine Bessone orienta que a elaboração de contratos que assegurem obrigações podem ser considerados bons instrumentos para a garantia de direitos.
Outra forma de assegurar o acesso a determinados bens adquiridos durante a relação, é a inserção de informações no instrumento de compra e venda ou na matrícula de determinado bem, em percentual a ser escolhido entre todos os envolvidos.
“A grande dificuldade para a justiça oficializar uniões poliafetivas é o que dispõe a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, que estabelecem o requisito da monogamia para o reconhecimento de sociedades conjugais e dos seus respectivos efeitos. Inexistindo lei que reconheça estas relações ou que assegure a estas famílias direitos e obrigações, o melhor caminho a se tomar é pensar em instrumentos jurídicos capazes de assegurar a todos os envolvidos o acesso ao patrimônio adquirido durante o relacionamento. Uma saída bastante utilizada é a elaboração de um testamento, que é utilizado como um meio de dispor, de maneira igualitária, dos bens existentes entre todos que compõe esta entidade familiar”, finaliza dra. Karine Bessone.
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