Em uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que muito repercutiu no mundo do Direito no ano passado, um homem foi condenado a indenizar a ex-esposa por ter tido práticas sexuais no ambiente familiar, onde ambos moravam com os filhos. O valor foi fixado em R$ 20 mil a título de indenização por danos morais.
De acordo com os autos, desconfiada da infidelidade do companheiro, a autora buscou os vizinhos para pedir imagens das câmeras das residências, quando descobriu que o marido havia levado a amante à casa do casal, onde eles moravam junto aos três filhos. A circunstância, de acordo com ela, ocasionou enorme angústia e desgosto.
A traição pode levar ao término de um namoro, noivado ou casamento e gerar uma grande dor na pessoa traída. E muita gente deseja buscar o direito a indenização por danos morais, por entender que o adultério é algo errado, que traição não tem perdão e que essa infidelidade deve ser punida por meio de uma condenação pública.
No Brasil entende-se que, em via de regra, esse tipo de pedido não é possível, pois a traição é um “risco do negócio” quando estamos em um relacionamento amoroso. Porém, dependendo das circunstâncias, em especial se houve exposição ou humilhação da pessoa traída, pode ser que uma reparação seja concedida pelo Poder Judiciário.
A questão não é a pessoa ter passado por um processo de infidelidade, de ter sido traída, mas, principalmente, a forma como isso aconteceu. Se houve uma humilhação pública, um vexame, se a traição foi feita de uma forma muito perversa, cruel, que fugiu do simples trair, pode-se começar a discutir o poder de indenizar.
“Ninguém é obrigado a amar ou ficar casado com outra pessoa. Para tanto, quando o casal se torna incompatível, existe o divórcio para oficializar a separação. Os tribunais têm entendido que a traição, por si só, não constitui a obrigação de indenizar por danos morais, apesar de ser uma violação ao dever de fidelidade do casamento. O que pode caracterizar o dano moral é quando a traição vem acompanhada de grande humilhação, exposição pública e outras situações vexatórias que, de fato, ofendem a honra e a dignidade da pessoa traída. Que foi o fato do caso ocorrido em São Paulo”, avalia a dra. Karine Bessone, advogada especializada em Direito de Família.
O divórcio no Brasil só foi permitido a partir da década de 70. Mas por ser um país católico, havia uma certa dificuldade em se aceitar a dissolução do casamento. E, por isso, havia uma série de medidas dentro do processo de divórcio para evitar que as pessoas, efetivamente, se divorciassem. Para se separar, era preciso provar que algum dos cônjuges deu causa ao fim do casamento. Provar a culpa daquela pessoa. Não podia se separar porque o amor acabou ou, simplesmente, porque você não queria mais estar casado. O processo vinha recheado de acusações mútuas
“E quando se discutia quem deu causa ao fim do casamento, a infidelidade sempre foi uma das causas que autorizava o divórcio. A pessoa que cometeu a traição poderia sofrer consequências - com pesos bem diferentes se o traído fosse o marido ou a esposa. A infidelidade masculina sempre foi muito aceita. Aquela história da ‘carne é fraca’. E mulheres tinham que se dar o respeito”, lembra a dra. Karine Bessone.
Um outro caso que ficou conhecido no Direito brasileiro foi o de um homem, morador de uma cidade de pouco mais de 15 mil habitantes, que resolveu levar a amante para passear na praça. Como se trata de um local onde praticamente todo mundo se conhece, a esposa se sentiu muito humilhada. Neste caso, a Justiça entendeu que ela tinha direito a danos morais - não somente pelo fato da traição, mas pela humilhação ao qual ela foi submetida.
Outro caso que teve muita repercussão na mídia, anos atrás, foi o de um homem que descobriu que a esposa o traía e a seguiu até o motel, para tentar um flagrante. Ele conseguiu, mas quem teve direito a indenização foi a mulher, que teve imagens íntimas divulgadas - no intuito do marido provar a traição. Ela foi exposta de maneira humilhante.
Combinado para não trair
E se houver um combinado entre o casal, para que haja indenização caso ocorra traição? Nos Estados Unidos e em outros países isso é muito comum. Faça-se um contrato ou coloque uma cláusula no pacto antenupcial que haverá multa em caso de traição. Um caso que ficou muito famoso ocorreu com estrelas de Hollywood.
O ator Michael Douglas, que pagou US$ 40 milhões à ex-mulher Diandra após o divórcio, quis acertar todos os detalhes com a então noiva Catherine Zeta-Jones em caso de separação. Ela conseguiu convencê-lo, notório viciado em sexo, a pagar-lhe em caso de separação, US$ 3 milhões por cada ano juntos. Se ela o traísse, ele teria um bônus de US$ 5 milhões. Os dois são casados há mais de 20 anos - e não há registros de pagamento de multa, ou melhor, de traição.
“O importante é pensar que, se o relacionamento não está dando certo, agir com civilidade e maturidade para tomar as decisões corretas e evitar este tipo de desgaste”, finaliza a dra. Karine Bessone.
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